"We don't need no thought control. All in all you're just another brick in the wall" (Pink Floyd - The Wall)

Thursday, August 25, 2011

A Malandrinha











Sempre achei que nasci na época errada e no lugar errado. Ouvia as serestas que minha mãe tanto gostava e via como suspirava, nostálgica de um tempo que eu nem conhecera... Como devia ser bom viver num tempo onde as mulheres eram exaltadas, quase como deusas... cortejadas com carinho, com deferência, com amor... Um tempo em que as mulheres não precisavam "ser iguais aos homens e ter as mesmas oportuinidades"... Pra quê? Que bom entrar num ônibus e um homem levantar-se e nos ceder o lugar... que bom um cavalheiro passar à nossa frente para nos abrir a porta... que bom receber uma rosa, ter um "pretendente" cantando à nossa janela... Que bom ser mãe acima de tudo, os únicos seres que geram vida, colaborando diretamente com Deus em Sua criação...

A sociedade muda... e é implacável com quem "perde o trem da história"... Há menos de quarenta anos atrás, ninguém perguntaria a uma mulher qual era a carreira que ela gostaria seguir... no máximo seria professora... se não casasse, freira. No mais, ficaria sob os cuidados amorosos dos pais, dedicando-se à casa, aos trabalhos manuais, às artes....

A maioria das mulheres quis mudar... mas, como costumo dizer... de um jeito ou de outro não se tem escolha... Antigamente, as mulheres não podiam trabalhar fora: não havia leis que as apoiassem e a sociedade não as via com bons olhos... hoje em dia, as mulheres não podem ficar em casa pois não há mais leis que as protejam e a sociedade as massacra.

Seja por conta da Fobia Social, ou pela depressão que faz com que me canse facilmente, ou só por natureza mesmo, nunca me senti inclinada a trabalhar fora... Tanta coisa para se fazer em casa: queria ler TODOS os livros do mundo, ouvir TODAS as músicas jamais compostas, estudar TODAS as artes, fazer TODOS os trabalhos manuais, aprender TODAS as línguas, tocar TODOS os instrumentos... é muita coisa! E, tendo filhos, ficar em casa ensinando-lhes os primeiros passos, as primeiras palavras, as primeiras letras, as primeiras notas musicais...

A frase que mais ouvi - e ouço - em minha vida é: "Vai trabalhar!!!", "Arranja um emprego!!", "Deixa de ser preguiçosa e vai à luta!!". Isso sempre me magoou muito, algumas vezes fiquei até revoltada...

A fama de preguiçosa associa-se à de malandra... Por isso, sempre choro quando ouço esta linda canção de Freire Junior, acho que é o meu "tema musical". Choro por não poder viver num tempo onde era lindo ser "malandrinha" e não "precisar trabalhar"... mas o tempo não volta atrás, infelizmente...

Mas sempre serei malandrinha.... E, agora, tenho o direito de ser, pois não devo satisfações ninguém, somente a meu marido que me sustenta... mas ele, graças a Deus, é como o homem da canção... sou muito amada e é desse jeitinho mesmo que ele me ama... Mas não pensem que é fácil... é muito difícil para ele, para mim e para nosso filho. A Fobia Social é uma doença que afeta todos à nossa volta e eles são livres para "pagar o preço" ou não. Sendo dona de casa, condeno minha família a uma vida de pobreza, mesmo aqui nos EUA. A partir do momento em que as mulheres começaram a entrar em massa no mercado de trabalho, o custo de vida aumentou, tudo aumentou proporcionalmente. Antigamente era possível um pai de família sustentar mulher e filhos com seu salário. Hoje em dia, é quase impossível. A maioria dos meus conhecidos trabalham - tanto o marido quando a esposa - muitas vezes até em dois empregos, para manter a família. Vivemos na pobreza, nada temos em nosso nome, as contas quase sempre beirando o "vermelho". Meu filho também sofre as consequências... o que herdará de nós além do legado espiritual e cultural? Se não for um gênio (e, nesse caso, conseguir bolsas de estudos e "patrocinadores"), como poderá cursar uma faculdade? Aqui nos EUA todas as faculdades são pagas... e muito bem pagas. Às vezes me sinto culpada, fico triste com a situação, penso em tudo que poderíamos ter se eu trabalhasse fora... É um problema difícil... muitos dizem que não trabalho fora porque não quero... será que alguém quer viver na pobreza e "condenar" marido e filho a viver sem todos os confortos da vida moderna? Não creio que seja o desejo de ninguém ser ou viver assim. Se vivo assim, é porque realmente não sei e não posso viver de outro jeito. Acho que serei sempre uma "malandrinha"...

MALANDRINHA

(Freire Junior)

A lua vem surgindo cor de prata

No alto da montanha verdejante,

A lira do cantor em serenata

Reclama na janela a sua amante


Ao som da melodia apaixonada

Nas cordas do sonoro violão,

Confessa o seresteiro à sua amada

O que dentro lhe dita o coração


Oh! linda imagem de mulher que me seduz

Ah se eu pudesse tu estarias num altar,

És a rainha dos meus sonhos, és a luz,

És malandrinha, não precisas trabalhar.


Acorda minha bela namorada,

A lua nos convida a passear,

Seus raios iluminam toda a estrada,

Por onde nós havemos de passar.

A rua está deserta, oh! vem querida

Ouvir bem junto a mim o som do "pinho"!

E quando a madrugada é já surgida

Os pombos voltarão para os seus ninhos.


Oh! linda imagem de mulher que me seduz

Ah se eu pudesse tu estarias num altar,

És a rainha dos meus sonhos, és a luz,

És malandrinha, não precisas trabalhar.