"We don't need no thought control. All in all you're just another brick in the wall" (Pink Floyd - The Wall)

Friday, August 26, 2011

Minha história (Capitulo 1) - Despertando pra a Vida

Uma das primeiras lembranças que tenho de minha infância é relacionada ao Natal, a minha festa preferida até hoje. Lembro de estar no meu berço (devia ter uns 2 ou 3 anos) olhando uma máscara de Papai Noel pendurada na janela do vizinho da frente (pois morávamos num conjunto residencial do IAPI - meu pai trabalhava num Posto de Assistência Médica). De repente noto que tem uma boneca ao meu lado, com corpo de pelúcia azul e rosto de plástico, muito em moda naquela época, um misto de menina e felino, com os braços arqueados e os pulsos unidos. Meus pais aparecem e fazem a maior algazarra me mostrando a boneca e dizendo que Papai Noel a tinha deixado pois era manhã de Natal. E eu comecei a "filosofar", a "pensar na vida": o que seria Natal? Por quê meus pais estavam tão animados? A troco de quê aquela boneca tinha aparecido no meu berço? E, afinal de contas, o que EU estava fazendo ali? Quem era EU? Por que aqueles dois diziam ser meus pais? Como apareci ali e por que eles se arvoravam assim em se denominarem meus pais, o que quer dizer ser pai e mãe?

Não sei se outras crianças pequenas têm tais pensamentos, mas acho que já demonstrava uma mente ativa demais e "filosófica demais" para a idade. Seria um princípio de "Transtorno de Ansiedade Generalizada" (TAG) ou só sinal de uma criança muito esperta? Não sei...

Morávamos num bairro muito simples, mas de gente muito boa, como não se vê mais nos tempos modernos. Existia algo que hoje em dia é raro: solidariedade. Todos se conheciam, se ajudavam, estavam ali para apoiar o outro em qualquer situação. Se alguém ficava doente, logo vinham vizinhas oferecer uma sopa, um mingau, companhia, ajuda, o que fosse, e sempre podíamos contar uns com os outros. Posso dizer que fui "estragada" por esse ambiente tão caloroso, e passo o resto da vida me decepcionando com amigos e vizinhos, pois no mundo de hoje, onde reina mais a "lei da selva", do "cada um por si", não é mais possível contar com as pessoas como a gente contava naquela época. Agora os vizinhos de porta nem se conhecem ou mal se falam e sinto falta daquele calor humano tão gostoso que me fazia com me sentisse mais segura, cercada de proteção e carinho. É claro que num ambiente onde todos se conhecem existe também muita fofoca, muita falta de privacidade e muita gente querendo interferir demais na nossa vida, mas antes isso do que ficar totalmente só, gritando por socorro sem que ninguém ouça - ou se importe em socorrer...

Na minha apresentação eu disse que já nasci fóbica, mas não me lembro de sintomas ocorrendo naqueles primeiros anos. Pelo contrário, tinha muitos amiguinhos, a maioria mais nova do que eu e por isso mesmo era como uma espécie de lider nas brincadeiras. Na frente dos prédios havia jardins e muito espaço para correr, e uma praça enorme logo em frente. Adorávamos correr, caçar borboletas, colher flores, fazer "comidinhas de folhas picadas" e andar de triciclo, uma das minhas atividades prediletas. Não era considerada uma criança tímida, muito pelo contrário, vivia sendo chamada de "desbocada" e "atrevida" pois sempre dizia o que queria, doesse a quem doesse. Tinha uma coisa: ou adorava uma pessoa ou odiava, não existia meio-termo. E demonstrava isso de todas as formas possíveis. Se não ia com a cara de alguém dizia logo "Não gosto de você!!" e pronto! Nada me fazia mudar de idéia, nem mesmo se a pessoa "me subornasse" com brinquedos e agrados. E dizem que sou assim até hoje! (risos)

Mas havia coisas que me causavam verdadeiro terror: pessoas machucadas ou sem algum membro. A simples visão de uma mancha de Mertiolate no braço de um vizinho era motivo para um ataque histérico. Berrava até ser afastada da pobre pessoa. E não suportava a visão de pessoas que não tivessem pernas, ou mão, ou faltando dedos ou qualquer defeito físico que fosse, simplesmente me causava horror. Tínhamos um vizinho que não tinha as pernas e estava sempre na frente da entrada do bloco onde morava batendo papo com os amigos e brincando com as crianças. Era um doce de pessoa, todos o amavam... e eu não suportava nem olhar para o pobre coitado, deixando minha mãe totalmente sem graça e mortificada, pois se saíamos e o "sem pernas" estava lá fora, tínhamos que atravessar a rua pois eu não passava perto dele por nada desse mundo. De onde surgiu tal horror não sei dizer. Isso se estendia ao manequim da vizinha costureira, só aquele tronco com pano meio "mumificado" sem braços, pernas e - o pior de tudo - sem cabeça! Ela tinha que esconder o manequim toda vez que íamos lá experimentar alguma roupa ou simplesmente visitar. E falando em "sem cabeça", adorava assistir às comédias dos "Tres Patetas" e num certo episódio um dos três literalmente "perde a cabeça", fica correndo para um lado e para o outro assim e comecei logo a berrar. Meu irmão, 15 anos mais velho do que eu, que sempre gostava de implicar comigo (fazendo graça, ou eu diria hoje em dia, bullying), levantava a camisa para cobrir a cabeça e corria atrás de mim gritando em voz gutural "olha o sem cabeça!!!!!", para meu total desespero. Bom, e uma fobia que trago até hoje: lagartixas!

O primeiro sinal de que havia alguma coisa errada se deu com relação a uma novela, se não me engano "Sangue e Areia". Minha mãe sempre foi fanática por novelas - uma das poucas distrações que tinha na vida - eu assistia a todas desde bebê, sabia o nome dos personagens e podia fazer o resumo de um capítulo para algum vizinho que não tivera oportunidade de assistir num determinado dia. Pois naquele dia o capítulo teve uma cena de tiro. Um dos personagens estirado no chão, com o peito sangrando. Creio que naquela época, em preto e branco, nem era coisa tão chocante, mas não sei porque isso me afetou. Uma ou duas horas depois comecei a sentir falta de ar. Respirava e parecia que meus pulmões só se enchiam até à metade, me fazendo ofegar. Disse a meus pais que não podia respirar e na mesma hora fui a um pronto-socorro próximo. Depois de muito examinar, a médica não descobriu nada de errado (e a essas alturas eu já nem sentia mais falta de ar de qualquer jeito). Chegou a conclusão que tinha sido nervoso. A partir daquele momento meus pais começaram a se preocupar.. e a perceber que eu era uma criança muito nervosa e sensível...