"We don't need no thought control. All in all you're just another brick in the wall" (Pink Floyd - The Wall)

Tuesday, August 23, 2011

"Como Nossos Pais" - Hereditariedade da Fobia Social (e de outros problemas psíquicos e neurológicos) e meu relacionamento com meus pais

"I was born this way" (Lady Gaga - Born This Way)




"Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim" (Caetano Veloso - Gabriela)

Lado paterno:

Atualmente, os estudiosos do assunto acreditam que exista um fator genético ligado à Fobia Social e a outros distúrbios de ansiedade. Filho de fóbicos sociais teriam 10 vezes mais chances de serem também fóbicos. No meu caso é bem verdade: meu pai também sofria de FS, se bem que de forma mais branda. É claro que a doença nunca foi "diagnosticada oficialmente", baseio-me apenas no comportamento dele, pois apresentava muitos dos sintomas clássicos. Sempre foi uma pessoa "voltada para si própria". Quando rapaz, fazia do porão da casa dos pais o seu "mundinho à parte", pois dividia o quarto com os irmãos. Lá, passava as tardes ouvindo música clássica no rádio, uma de suas maiores paixões. Ficava tão envolvido que os irmãos debochavam, dizendo: "Não incomode o mano, ele entrou na música". Realmente, fechava os olhos e o mundo podia acabar que ele não iria perceber, totalmente absorto pela melodia. Pouquíssimos amigos: um deles companheiro desde a mais tenra idade, apelidado pela família de "Carlitos" pois sempre se envolvia em situações engraçadíssimas pelo fato de ser tímido e desajeitado. Uma vez, ao dar uma aula, acabou derrubando o quadro-negro. Outra, ao sair de um banco, não viu a porta de vido e, literalmente, "passou por ela", que se estilhaçou (e não sofreu nem um corte sequer, felizmente). Em outra ocasião, parado na calçada esperando uma procissão católica passar, um dos homens que carregavam o andor de um dos santos pediu para ele ajudar por alguns momentos a fim de descansar um pouco e desapareceu. O amigo de papai, sem graça, carregou o andor até o fim da procissão. Acredito que também sofresse de FS, mas não posso afirmar com certeza, pois ele parecia também se divertir lembrando estes e outros episódios embaraçosos, coisa que os FS não costumam fazer. É muito difícil um FS encarar tais "mancadas" de uma maneira bem humorada (e este é justamente o maior problema dos fóbicos sociais: o que podia ser só uma situação engraçada para rir e contar aos amigos, vira um trauma, uma tragédia, um acontecimento pavoroso para ser remoído pela vida afora).

Papai também conseguia, até certo ponto, rir dos embaraços causados pela fobia pois, sem saber que era uma doença, interpretava tudo como "excentricidades", comportamento curioso e mesmo bizarro. Fumante desde a adolescência até os 50 anos, sempre comentava que era uma verdadeira tortura acender o cigarro na frente de outras pessoas, pois a mão tremia. Pior ainda se alguém viesse com um cigarro e pedisse para ele acender encostando na ponta do que ele estava fumando. Sempre oferecia rapidamente o isqueiro ou a caixa de fósforos. Assinar papéis na frente de outras pessoas também era complicado pois a mão sempre tremia um bocado. E, o pior, segurar a pequena xícara cheia de café até a borda - sem tremer e derrubar o café fervendo por todo lado. Uma vez ligaram para mamãe do Posto de Assistência Médica onde papai trabalhava como administrador, dizendo que ele estava muito mal e tinha sido levado às pressas para a enfermaria. Um colega o tinha acompanhado até a lanchonete para um cafezinho e viu a tremedeira dele ao pegar a xícara: pensou que ele estava tendo um ataque do coração ou um derrame. Obviamente teve alta na mesma hora e o episódio virou mais um dos episódios engraçados para relembrar - e rir - em família.

E para ser efetivado neste mesmo Posto, após passar no concurso público, era preciso passar também passar por um exame médico, nada muito sofisticado. Papai entrou no consultório gozando de saúde perfeita e durante o exame apresentou febre alta, batimentos cardíacos aceleradíssimos, pressão altíssima, pulso à toda velocidade e só não foi reprovado porque encontrou um médico compreensivo e bastante capaz, que conseguiu perceber que era tudo causado por tensão nervosa. Ainda comentou: "Sei muito bem que quando você sair deste consultório, todos esses sintomas alarmantes vão desaparecer como que por encanto". Dito e feito. Ainda bem que não havia entrevista!!!

Mas, como exerceu cargo de chefia por muitos e muitos anos - e era muito respeitado e admirado pelos funcionários sob seu comando - creio que a FS o atacava de forma mais amena do que no meu caso, pois com certeza não conseguiria dar ordens e ocupar uma posição de responsabilidade sem que o nervoso e a tensão me esmagassem. Havia um ponto fraco: geralmente não reagia quando era injustiçado. Guardava tudo no coração, sem retrucar, discutir, nem brigar... até o dia que teve um enfarto do miocárdio - totalmente emocional. Graças a Deus, sem sequelas. Além disso, creio que em certas circuntâncias a "timidez" o fazia parecer carrancudo e mau humorado, o que despertava temor em alguns funcionários. Mas mamãe sempre se queixou que ele não tinha muita iniciativa e que tinha perdido muitas boas oportunidades de subir na vida e conseguir cargos de maior remuneração (pois sempre cobrava muito de si mesmo e acabava não fazendo concursos internos por achar que não dominava satisfatoriamente as matérias que iriam cair nas provas... e todos os amigos, muitos deles menos capazes do que ele, acabavam passando...)

Personalidade totalmente oposta à de mamãe que, assim como vovó, era totalmente extrovertida e só se sentiae feliz rodeada de amigos. Penso que era bom assim pois um podia completar o outro de forma mais eficaz. Mas os vizinhos, alegres e barulhentos, rolavam de rir com mamãe, contando mil piadas... enquanto meu pai ficava de cabeça baixa, vermelho, sem nem esboçar um sorriso. O "tímido" e introvertido era visto como antipático, "estraga-prazeres" e mau humorado. Nunca faltou às festas e reuniões familiares - creio que mais por espírito de dever e união para com a família do que por sentir prazer em participar de tais festas.

O interessante é que, quando já estava com seus oitenta e tantos anos, uma vez comentou comigo que não tremia mais ao assinar documentos ou segurar a xícara de café pois "se sentia mais seguro pelo fato de ser velho". Ninguém vai achar estranho um velho tremer - pelo contrário, é até algo esperado. Assim, ele não ficava nervoso pois sabiae que, se tremesse seria natural... e com isso não tremia mais. A complexidade da mente humana sempre me impressiona! Será que vou ter que esperar ficar velha para que a fobia social não me traumatize mais? Por outro lado, ficou mais anti-social e passou a evitar até mesmo as festas em família que nunca o incomodaram... e quando ia, queria logo voltar e ficava insistindo com mamãe que já estava na hora de ir embora. Ele, que sempre adorou sair, passou a ser totalmente caseiro, só gostando de sair todos os dias para fazer compras no supermercado e comprar o jornal.

Aliás, nesse ponto concordo com papai... as festas, reuniões ou visitas a amigos ou familiares até que não me incomodam muito... se forem curtas! Para mim (e para ele também), duas horas no máximo, mais do que isso vira uma tortura. Mas mamãe já era o oposto, gostava de ir ficando, passar o dia todo com os irmãos ou outros parentes. Aliás, o estilo brasileiro de visitas não se ajusta bem aos fóbicos sociais: visita brasileira é coisa de, no mínimo, umas 5 horas, seja a gente visitando (e a pessoa insistindo para que a gente fique sempre mais um pouquinho), seja recebendo visitas... Quando era mais jovem não me incomodava tanto, mas de uns tempos para cá passei a ter horror a visitas longas, a ponto de me sentir totalmente agoniada.

Creio que outros membros da família de papai também sofriam de FS, e alguns de Transtorno Obcessivo Compulsivo (TOC). Uma irmã epilética e duas outras que sempre comentavam com mamãe que sofriam muito com uma "aflição que sentiam nas pernas" durante a noite e que não as deixava dormir direito. Muito provavelmente "Síndrome das Pernas Inquietas", que também, segundo os pesquisadores, parece ter um fator genético... (vou falar mais sobre a síndrome em outra parte do blog). Mas a "doença" maior que minava minha família pelo lado paterno não era o Transtorno Obcessivo Compulsivo, nem a Fobia Social, nem a Epilepsia, nem outra neurose qualquer: mas sim o preconceito contra doenças, principalmente mentais. O assunto sempre foi tabu e, por conta disso, nenhum deles nunca sequer admitiu ter algum tipo de distúrbio... quanto mais procurar ajuda de um médico...

Mas vou falar sobre esses problema do preconceito em outra ocasião.

Lado materno:

Mamãe sofria terrivelmente de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Minha avó também sofria, a bisavó também. Vovó tinha verdadeiro pavor de "pegar doenças" ou de que os filhos pegassem. As janelas da casa viviam fechadas, pois qualquer ventinho podia significar um resfriado - que viraria, com certeza, uma pneumonia. Se entrava num bonde e havia uma pessoa tossindo ou espirrando, saltava imediatamente e pegava outro. Era uma reação, no mínimo, exagerada, mesmo considerando-se o fato de que sofria de asma e que, pegando resfriado, obviamente se sentia muito mal. Costumava comentar que sempre a acharam fraca e doentia e que também se sentia assim. Já estava aceitando a idéia de que provavelmente morreria antes de completar 18 anos. Depois dos 30, já casada e com 3 filhos, pensou que não chegaria aos 40... depois que completou 70, todo ano dizia que "seria o último". Faleceu com 83 anos e poderia ter vivido mais se não tivesse sofrendo dos terríveis efeitos colaterais do tratamento à base de Cortisona a qual foi submetida por muitos anos por conta da asma. A Cortisona melhora uma coisa... e estraga outras centenas, conduzindo à uma morte lenta. Primeiro ficou toda inchada, depois veio a catarata, a osteoporose (mas estas duas, de qualquer forma, são próprias da idade avançada), a caquexia (magreza impressionante, a ponto da pessoa ficar só pele e ossos). Nervosismo intenso. Insônia.



Mamãe nunca pensou que iria morrer antes dos 18 e nunca sofreu de asma. Mas sofria de enxaquecas terríveis, provavelmente causadas por descompensação hormonal, TPM (pois quase que desapareceram após à menopausa) e também enjôo causado por movimento ou balanço (andar em veículos, principalmente trens e ônibus). Essas enxaquecas dela me traumatizaram muito, pois lembro que era ainda muito pequena - com uns 4 ou 5 anos - e via minha mãe gemendo o dia inteiro, branca que nem um defunto, carregando um balde para cima e para baixo. E quando vomitava no balde, muitas das vezes era eu que era "escalada" para esvaziar... Creio até que foram essas enxaquecas que causaram o meu problema de menstruação irregular, pois associei uma coisa à outra e tinha pavor de que acontecesse o mesmo comigo (e um dia, conversando com minha sobrinha, que era bem pequena na época que mamãe ainda tinha essas enxaquecas, esta me confessou que também morria de pavor de herdar esse problema). Esse trauma provavelmente causou um bloqueio psíquico muito forte, pois os médicos nunca chegaram a uma conclusão sobre o porquê do meu problema. Na era do ultrasom, foi diagnosticado como consequência de ovários micropolicísticos, mas, depois de uns anos, fiz sonografia outra vez e não havia nenhum cisto, e estes não costumam desaparecer assim de repente.

Mamãe costumava dizer que já havia sentido "todas as dores do mundo" e por isso mesmo entendia tanto de medicina e de medicamentos, pois havia tomado todos. Realmente, os problemas viviam se acumulando, ou se alternando. Abcesso em dentes, otite crônica, problemas de coluna (tinha que espirrar totalmente curvada, quase com a cabeça no chão, senão sentia "um choque" na espinha) que a deixavam quase sem andar... um problema sério no braço direito que nenhum médico conseguiu diagnosticar - meses de internações, centenas de radiografias, operações, biópsias, fisioterapia.... a cabeça do ombro simplesmente "gastou" e, com o passar dos anos, o osso foi "desaparecendo", a ponto de agora ela não ter osso nenhum da metade do úmero, acima do cotovelo, até o ombro. Nem sei como consegue mexer o braço nessas condições. E por conta de tratamentos errados e de negligência médica (foi deixada tempo demais num aparelho de ondas curtas e teve a pele do braço queimada... a queimadura se transformou em câncer de pele, felizmente totalmente retirado em uma pequena cirurgia) seu estado só piorou. Depois, queda e fratura do "braço bom" e até um princípio de derrame, sem sequelas (só ficou durante um tempo andando "feito bêbada", perdendo o equilíbrio à toda hora). Hoje em dia penso que ela teve uma artrose degenerativa no braço, mas isso é diagnóstico "meu".

Como vovó, tinha verdadeiro pavor de "micróbios". Se alguém espirrava perto dela, prendia a respiração até sair de perto, discretamente. Tudo era motivo para não sair de casa. Se fazia muito sol, o calor podia fazer ela passar mal, se chovia ou ventava, podia pegar um resfriado. Saía, se muito, umas duas ou três vezes ao ano, para o aniversário dos netos e de alguns parentes ou às vezes nem isso. De vez em quando "se arriscava" a ir ao cinema com papai e, na volta, entrava em casa na disparada, direto para vomitar no banheiro. E o pior é que estendia essa preocupação com a chuva a toda a família e geralmente não me deixava ir à escola quando chovia muito (e eu pegava o ônibus em frente ao prédio, nem dava para pegar chuva!). Isso me valia mais gozações das colegas, principalmente da colega Júlia, da qual falarei mais tarde. Vivia perguntando se eu tinha medo de derreter com a chuva como se fosse feita de papel ou açúcar. E, falando nela, resfriava-se muito frequentemente e, como sentava a meu lado no ônibus, tossia o tempo todo no meu rosto e eu acabava pegando o resfriado também. Minha mãe morria de raiva e achava que Júlia tossia em cima de mim de propósito, e me instruiu a mudar de banco no ônibus e sentar bem longe dela da próxima vez que esta pegasse uma gripe. Assim o fiz, e Júlia sentiu-se muito ofendida, ficou comentando o episódio por um bom tempo.

Mas o que mais me incomodava em mamãe era que ela sempre via as coisas pelo lado negativo, uma das pessoas mais pessimistas que já vi. Se alguns parentes me convidavam para uma viagem de carro a alguma cidade próxima, achava logo que haveria um desastre de carro e que todos iriam morrer. Quando já era adolescente e mesmo depois de adulta, se saísse e me demorasse um pouco, logo imaginava que eu tinha sido sequestrada, estuprada, assaltada ou sei lá o quê, mas sempre coisa ruim e o pior é que de tanto me dizer essas coisas, eu também acabava ficando com medo e achando que realmente algo horrível iria acabar acontecendo comigo. Uma vez, quando vovó ainda era viva e ouvia rádio o dia inteiro, ouviu no noticiário que tinha havido um acidente com um ônibus escolar. Pronto!!! Tanto vovó quanto mamãe tiveram plena certeza de que era o meu! Ligaram para a escola. Eu sem saber de nada... no meio de uma aula, entra a diretora na sala e pergunta se Diana está presente. Levantei o braço e fiz menção de me levantar, pois pensei que ela queria falar comigo. Mas ela disse que não era preciso, que só queria saber se eu estava na sala. As colegas começaram a cochicar e a rir, e eu sem entender o porquê. Provavelmente pensaram que eu "andava aprontando" e que estava sendo vigiada... (e olha que eu tinha fama de santinha!).

Sofri muito por conta dessas manias de mamãe durante toda a minha infância e pré-adolescência. Por ocasião do casamento de meu irmão (15 anos mais velho do que eu), estando eu com 9 anos de idade, começou a surgir na minha cabeça a tão famosa questão "de onde vêm os bebês?". Achava que eles simplesmente cresciam no ventre das mulheres por alguma razão misteriosa. A noiva de meu irmão morava longe e passava bastante tempo lá em casa nos preparativos para o grande dia. E eu notava palavras aqui e ali chochichadas sobre exames ginecológicos e outras coisas. Isso tudo me intrigava um bocado. Um dia, cheguei para mamãe e perguntei: "como é que a barriga de uma mulher sabe que ela se casou para que então faça crescer um bebê dentro dela?". Minha mãe fingiu não entender a pergunta. Como insistisse, começou a dar risinhos nervosos e, no final, disse que não sabia. Senti-me totalmente ultrajada e saí correndo aos prantos. Obviamente mamãe estava me fazendo de palhaça, pensava eu, pois se ela tinha tido filhos, como poderia não saber? Estava só debochando de mim, humilhando-me, fazendo pouco da minha inteligência. Sentia-me diminuída por ser criança! Perguntei o que era "sexo" (naquela época, a TV ainda engatinhava e não se discutia todos os assuntos abertamente como hoje em dia. A minha "leitura proibida" era a revista Pais e Filhos, que meus pais compravam regularmente. E de vez em quando deparava com a palavra "sexo", "parto" "puberdade", essas coisas. A certa altura, mamãe não deixou mais meu pai comprar a revista, pois "estava ficando muito indecente e pouco própria para os meus olhos"). "Sexo, ora! Sexo feminino e sexo masculino. Isso é sexo!". Respondeu. Retruquei que não era a isso que me referia e achei que ela estava, mais uma vez, debochando de mim e fazendo pouco caso das minhas indagações. Chorava e chorava sem parar, e tanto perturbei que ela então disse "ah, essas coisas se aprende nos livros!". E lá fui eu, sempre aos prantos e tremendo muito, folhear a "Enciclopédia Conhecer" no quarto de meu irmão. Ele estranhou e perguntou o que estava acontecendo. Quando expliquei, ficou muito sério e me disse: "Sinto muito não poder te dizer nada, pois só nossos pais têm o direito de falar dessas coisas com você! Mas você é uma menina muito inteligente! Pense! Pense! Não é tão difícil assim deduzir! Pense no corpo do homem e no da mulher! Pense!". Pelo menos parei de chorar, pois alguém tinha me tratado com respeito (mesmo que não tenha me dado a tão ansiada resposta). E lá fiquei eu deitada na cama pensando e pensando e pensando. Imaginava o feto na barriga, imaginava os corpos... mas não atinava no que poderia ser! Voltei a pressionar mamãe para me dizer. Ela, a essas alturas já sem paciência, disse que uma menina só devia saber essas coisas quando "ficasse mocinha". E agora!!! Já sabia (informada por vovó, que para essas coisas sempre teve a mente muito mais aberta do que mamãe) que as meninas ficavam menstruadas pela primeira vez por volta dos 13 anos. Ainda tinha 9! Esperar 4 anos!!! Faltava muito!!! Não era justo! E, quando somos crianças, o tempo sempre parece demorar mais a passar. Fiquei obcecada com a idéia de "ficar mocinha" e até rezava para Deus para que isso acontecesse precocemente. Mas até Ele parecia estar surdo aos meus apelos!

Com o tempo, cheguei à conclusão de que devia acontecer algo TERRÍVEL entre um homem e uma mulher, pois se as pessoas tinham tanto cuidado assim em esconder, se até meu irmão disse que não tinha direito de contar, se era muito jovem para saber, só podia ser porque a coisa era tão monstruosa que, naquela idade, se soubesse, enlouqueceria. Passei a não querer mais saber, ou melhor, a ter pavor de saber. A certa altura desejei o contrário de antes: que o tempo passasse bem devagar e que eu só ficasse mocinha já bem crescida. Claro que essa resolução durou pouco, vencida pela curiosidade, e estava sempre de olhos e ouvidos atentos. Um dia, visitando uma loja de artigos e livros religiosos, peguei por acaso um livro para crianças cujo título era "De onde vêm os bebês". Cheguei a tremer com o livro na mão. Ali, com certeza, estava a resposta para todas as minhas perguntas, a solução para o mistério! Senti um calafrio pela espinha. Mas, quando ia folhear o livro, meu pai se aproximou e o larguei na estante, tentando disfarçar a emoção. Mais tarde, minha mãe comentou comigo que meu pai tinha pensado em comprar este livro, mas desistira por temer a reação dela. Era muito azar!

Só fui mesmo "saber a verdade" na escola, nas aulas de biologia (óvulo, espermatozóide, zigoto, etc... quanto à parte "teórica", já estava tudo bem explicado, mas quanto à parte prática, ainda ia levar um bom tempo para eu ter maiores e mais detalhadas informações, e a "profecia" de mamãe se realizou, pois aprendi tudo nos livros e algumas revistas compradas "às econdidas" quando já era grande o suficiente para ir à escola sozinha e ter um pouco mais de liberdade... além de uma mesada). O assunto sexo foi tabu entre nós duas durante anos e anos, só conversamos mais abertamente sobre isso depois que me casei!

Nunca me deixou usar maquiagem, até pelo menos os 14 anos. "Criança usando maquiagem é coisa vulgar!", dizia. Até hoje se choca vendo meninas de até 3 anos de idade pintando as unhas e colocando batom, coisa tão natural, só a vontade da criança de imitar a mãe, vontade de ser mulher, vontade de crescer! Mas mamãe nunca compreendeu essas coisas. Como eu era gorduchinha e tinha o corpo bastante desenvolvido para a minha pouca idade, já com uns 11 anos os meus peitos começavam a fazer volume nas blusas, e me sentia nua com isso, morta de vergonha. Mas usar sutiã com 11 anos, nem pensar!!!! Um dia cheguei a fazer um sutiã usando retalhos de tecidos, mas não fui muito bem-sucedida na empreitada e, sem alças e sem colchetes para prender, o sutiã ficou lá jogando em meio aos meus brinquedos. Alguns anos mais tarde, ouvi uma ortopedista dizer que muitas crianças acabam com problemas nas costas e com propensão à concundice justamente porque, nessa fase, têm vergonha dos seios em desenvolvimento e, instintivamente, curvam os ombros para a frente, tentando escondê-los. Concordo com ela, pois realmente, uma das reclamações de mamãe era justamente que eu "vivia curvada" e não fazia esforços para ter "um porte elegante". Por conta dos problemas hormonais, os pelos também apareceram antes do tempo... e muito abundantes! Minhas pernas eram totalmente peludas, parecia até que eu usava uma meia-calça escura. Isto contrastava com a minha pele muito branca e me morficiava um bocado, ainda mais que a maioria das colegas na escola já depilava as pernas. Mas nenhum argumento parecia convencer minha mãe de que eu estava me tornando uma mulher. Para ela, eu era apenas uma criança... e ainda fazia graça dos pelos, dizendo que eu parecia "uma macaquinha". Como sofri por conta dessas coisas. Até que um dia resolvi , trancada no banheiro, raspar os pelos das pernas e das axilas com a lâmina de barbear de papai. Fiquei surpresa com o que vi, minhas pernas pareciam tão bonitas sem os pelos, tão macias e brancas! Senti-me bonita e fiquei um bom tempo admirando minhas próprias pernas devidamente depiladas. Se ela reparou, nunca disse nada. E passei a me depilar regularmente, sempre às escondidas, por um bom tempo. Uma vez escutei mamãe comentando com vovó que a faxineira vivia usando a lâmina de barbear de papai, pois ele sempre se queixava de que perdia o fio de um dia para o outro e, com isso, o deixava cheio de cortes e com a barba mal feita. Fiquei quietinha no meu canto, sentindo-me um pouco culpada por deixar a pobre da faxineira levar a culpa...

Da minha adolescência em diante (creio que até o dia do meu casamento, e casei com 36 anos de idade), tinha pavor de que eu "me perdesse" (que é como ela se referia ao fato de alguém deixar de ser virgem). Se eu tinha um namoradinho (já no tempo da faculdade), espionava cada passo. Se a gente saía dizendo que ia a um certo lugar, ela ficava na janela para "conferir se a gente estava indo na direção certa". Muitas vezes mudávamos de planos ao chegar na rua e, quando chegava em casa, ela logo me cobrava "vocês disseram que iam para a Zona Sul, mas vi tomando a direção oposta, indo para o lado do ponto de ônibus para a Zona Norte". Chegava até a cheirar as minhas roupas! Isso me enfurecia muito, pois considerava uma verdadeira invasão de privacidade, e não era mais nenhuma menininha! Mamãe queria ser dona do meu corpo, controlar meus desejos. Numa palavra: castradora. E, é claro, sempre fazia pouco caso do "meu eleito", fosse paixão platônica ou "meio correspondida", tanto que sempre escondia dela o mais que podia. Ou seja, com esse comportamento, ao invés de se converter em confiança de "cúmplice", o que seria até "útil" para ela me investigar, fazia com que eu estivesse sempre "em guarda" e frustrada por não poder me abrir com minha própria mãe.

Uma vez, com uns 14 anos, fui passar uns dias na casa de uma parenta quase da minha idade, pois morava num bairro mais calmo e com muitos parques por perto, onde podíamos brincar à vontade. Durante todo o tempo que lá estive, uma tosse terrível me atacou, a ponto de não conseguir dormir à noite e, em certos momentos, nem ter fôlego para falar. Pensamos que era um princípio de gripe. Mas comecei a sentir meu corpo "estranho", uma fraqueza, um estado febril, tonturas. No dia de voltar para casa, sentia-me muito mal, mas não sabia bem o que estava errado comigo. Sentia-me exausta. Desabei na poltrona da sala e comecei a chorar convulsivamente, tal o mal estar que sentia. Pois minha mãe me abraçou, perguntou o que estava errado comigo. Respondi que não sabia. Ela então teve um sobressalto e perguntou: "Se perdeu???". Chorei ainda mais por conta do absurdo da pergunta. No dia seguinte meu corpo estava coberto de manchas vermelhas: era escarlatina. Foi a única vez na vida que pensei que ia morrer, de tanto que me senti mal. Mas nunca esqueci a pergunta inusitada de mamãe (provavelmente, hoje em dia ela iria me dizer que NUNCA fez tal pergunta, que foi delírio meu, causado pela febre, mesmo depois de tantos anos ainda reagia desta maneira quando eu comentava algum episódio do passado no qual ela me fez sofrer).

Quando tinha o "meu grupinho" na faculdade de Administração, fomos todos, um dia, assistir a um jogo de Copa do Mundo na casa de uma colega chamada Amanda (mesmo eu detestando futebol e nem prestando atenção ao jogo... era sempre motivo para estarmos todos juntos) e depois do jogo, desanimados com a derrota brasileira, decidimos ir até o Alto da Boa Vista e ficar um bom tempo num barzinho, só papeando. Depois, um dos colegas foi levar todo mundo em casa e acabava parando o carro e conversando, ninguém tinha pressa. Quando chegou na casa de Amanda, a mãe dela nos disse que mamãe tinha ligado para lá desesperada à minha procura. Fiquei morta de vergonha, pois os amigos começaram a rir muito e a fazer graça com isso. Dei a maior bronca em mamãe, mas ela disse que se apavorou porque a mãe de Amanda tinha dito a ela que "tínhamos todos saído para afogar as mágoas bebendo em algum barzinho". Ela disse isso de brincadeira, mas mamãe acreditou piamente... E ela conhecia todo mundo do grupo, sabia que todos eram "ajuizados" e gente boa!

E foi assim a vida toda... eu já com mais de 30 anos e minha mãe "me caçando" por todo o lado, pois eu tinha que dizer a hora que ia chegar em casa, e se passassem 5 minutos, ela já achava que eu tinha morrido... e passava a ligar para todo mundo, me procurando. Disse a ela que, com essa idade e ela fazendo isso, as pessoas iam achar que eu era uma retardada. Tivemos muitas brigas por causa disso e acabei "cedendo" e passando a ligar para ela de um telefone público ou da casa de um amigo sempre que ia me demorar mais um pouquinho, para que ela me poupasse do vexame... Isso foi antes da era dos celulares... hoje em dia, fico pensando e não sei dizer se teria sido uma bênção para mim ou mais um tormento... por um lado, mamãe ficaria tranquila me ligando e sabendo que eu estava bem e viva... mas por outro, o celular não iria parar de tocar o tempo todo e, com certeza, seria alvo das galhofas dos amigos de qualquer jeito.

O mais engraçado (ou paradoxal) é que o medo de que eu fosse assaltada ou sequestrada suplantava o medo de que eu perdesse a virgindade, creio eu, pois se saía com um rapaz que tinha carro, ela achava que estava tudo bem e não criava nenhum caso, mas se saíssemos de ônibus era uma verdadeira guerra! Sempre dizia que "se era de carro estava tudo bem". Engraçado... e é justamente de carro que as pessoas têm mais chance de ir a um motel ou coisa parecida!

Após alguns problemas de família, que a deixaram muito traumatizada (divórcio do meu irmão), entrou em depressão profunda. Não tinha mais vontade de fazer nada, ficava o dia inteiro sentada com o olhar vazio, sem expressão no rosto. Sempre muito gaiata, não contava mais piadas e nem as novelas, sua paixão maior, a empolgavam mais. Foi a um médico no prédio ao lado, que havia cuidado de vovó por muitos anos, e este receitou um anti-depressivo muito forte. Mas foi piorando cada vez mais. Descobri muitos anos mais tarde, que ela teve uma reação que algumas pessoas têm a tranquilizantes muito fortes, chama-se "Acatisia": a pessoa sente um "nervoso" pelo corpo todo e não consegue parar de se mexer. Se sentada, cruza as pernas e descruza sem cessar. Se parada, em pé, fica como que marchando no mesmo lugar. E as crises geralmente pioram à noite. Muitas vezes minha mãe ficava andando pela sala em círculos sem parar... isso a deixava em pânico e aí vinha a enxaqueca e os vômitos, para piorar ainda mais a situação. Foram tempos muito difíceis, e cada vez que mamãe tinha uma crise, eu chorava sem parar e tremia muito de nervoso, sem poder fazer nada para ajudá-la. E ainda por cima, por conta dessas crises, ninguém dormia à noite inteira e eu ia dar aulas no curso de Inglês morta de cansaço. Só descobri sobre esta "Acatisia" quando pesquisava na internet sobre a "Síndrome das Pernas Inquietas" da qual sofro, e os sintomas se assemelham ao dessa doença, só que mais amenos. Depois de muita resistência, concordou em consultar uma neurologista que, após muitos exames, diagnosticou erroneamente como Parkinson. Além do remédio para doença de Parkinson, receitou "Anafranil", pois provavelmente percebeu que minha mãe era muito nervosa e com tendências a TOC e Ansiedade Generalizada. Pois depois de alguns meses tomando os remédios, vi mamãe se transformar noutra pessoa. Cheguei a me chocar com isso e até dizer a ela que agora tinha outra mãe, pois não a reconhecia mais! Passou a querer sair a toda hora, não perdia uma festa ou reunião familiar, tinha ânimo para tudo e nem importava mais se fazia sol ou chuva. E já não se preocupava tanto com tantas coisas, realmente uma mudança radical. Com o passar dos anos, continuou animada para sair (embora esbarrando na falta de ânimo de papai) mas creio que o Anafranil já não fazia mais tanto efeito como no início (típico desses medicamentos) pois, alegando as preocupações comigo, com meu irmão e o resto da família, passou a rezar e rezar o dia inteiro. Como tínhamos muitas imagens de santos espalhadas pela casa, ela passava a maior parte do dia indo rezar em frente de cada uma, e também na frente de fotos de parentes já falecidos (principalmente vovó e vovô) . Mesmo quando se deitava para dormir, ainda ficava mais de uma hora rezando. Para piorar as coisas, cada vez encontrava uma oração nova e a coisa ia num crescendo absurdo, a ponto dela própria se queixar que não tem tempo para quase mais nada por causa de tantas rezas. Mas creio que segundo o pensamento dela, se não dissesse todas as orações e se não parasse em frente de todos os santos e retratos, algo ruim iria acontecer... ou então as coisas, que já estavam ruins, iriam piorar. Ou muito me engano ou isso era um sintoma de Transtorno Obcessivo Compulsivo (TAG).

Mamãe tinha dois irmãos, e um sempre foi apelidado de "muro das lamentações" pois vivia se queixando da vida, se lamentando de tudo, sempre deprimido, sempre reclamando de tudo, mas, paradoxalmente, dono de um senso de humor notável! (creio que sofra de distúrbio bipolar) Mas essa também é uma característica de mamãe, e também era de vovó, que fez piadas até na hora da morte...

Um fato interessante... quando passei 3 anos no Brasil, já casada e com meu filho de 7 anos, fomos um dia, com meu marido, visitar a faculdade na qual estudei por tantos anos (9 no total, contando com a pós-graduação)... meu filho adorou a faculdade, com tantas rampas, corredores imensos e varandas com vistas para toda a cidade, então fomos ficando por lá sem noção do tempo... comemos sanduíches na lanchonete do meu antigo andar e depois fomos ver os famosos jardins... parecia que eu tinha voltado no tempo... e me senti vitoriosa e muito emocionada por estar lá com meu marido e meu filho, quando nunca sequer pensei, nos tempos de faculdade, que iria me casar algum dia, quanto mais ter um filho... fomos ver o lugar onde os casais costumavam namorar as escondidas, banquinhos de cimento em meio a lírios e árvores de todo o tipo e nos deparamos com uma "clareira" no meio das árvores... as folhagens projetavam sombras (era noite de lua cheia, lindíssima) e o ambiente era mágico... meu filho ficou fascinado e até chamou de "jardim encantado".. quando estavamos nos dirigindo para a saída (demorou um bocado para convencer o menino a voltarmos para casa, ele falava que "queria morar lá na faculdade"), toca o celular... era mamãe em pânico porque nós tínhamos "desaparecido" e já era tarde da noite (20hs mais ou menos)...
Certas coisas nunca mudam... (e agora, sim, eu tinha celular!)